Amanhã do dia 25 prometia um almoço iluminado pela luz natural, dispensando as lanternas da sala. Aos poucos, a casa despertava de uma noite marcada por contrastes, de tâmaras italianas a confrontos suscitados por um afeto inesperado. Falou-se de política – esquerdas e direitas –, dos que já partiram e dos que estavam ali. A conversa tocou em Anna Magnani, na Máfia, e até nas cadeiras Olaio, que renderam o comentário: “O Estado Novo promovia tão pouco o convívio que até as cadeiras eram feitas para estarmos pouco tempo sentados.”
Mais perto do almoço, percebemos que faltavam duas pessoas: a filha de uma tia que vinha de longe e “a amiga da filha”. Afinal, o que seria de uma mesa de Natal sem ‘uma amiga’? Quando enfim chegaram, eram o centro das atenções: trajavam macacões do Grinch, num contraste absoluto com os seus 120 quilos e mais de 30 anos de idade. Foi como se a Rua Sésamo tivesse sido convidada para o almoço. Abrimos uma garrafa e tentámos salvar o Natal.
Uma das peculiaridades das redes sociais é o acesso a casas alheias sem ser convidado. Basta um toque no ecrã para transformar uma story em objeto de estudo. Essa curiosidade vai além da cusquice: é um reflexo de controlo. No Natal, porém, o meu dedo fica dormente. Tudo parece digno de análise, e desse meu estudo anual destaco um padrão: as famílias portuguesas têm estilos muito distintos quando se trata de vestir para o Natal.
Os práticos: Natal é um suplício, e eles já começam a refeição de pijama, ansiosos para acabar e ir dormir. Estas famílias jantam sob luz branca, sentadas em cadeiras de plástico de varanda. Para eles, o objetivo é praticidade, não conforto.
Os básicos: Parecem prontos para ir trabalhar, com jeans e cabelo apanhado. A Missa do Galo não é desculpa para cheirar a fritos. Sem joias e com móveis do Ikea, sabem o que é moderno, mas estão atentos ao preço.
Os ‘maninhos’: Alusivos ao Natal até ao extremo. Camisolas temáticas, loiças e toalhas natalinas, e árvores brancas completam o ambiente. Costumam ter cadeiras de napa, que produzem ruídos desconfortáveis quando alguém se demora sentado.
Há também uma discrepância geracional que merece menção. A avó, com a sua bata icónica, divide a mesa com a neta, de vestido curto e brilhante, stilettos, e um telemóvel sempre à mão – pronto para capturar o momento com hashtags como #gratidão.
Por fim, temos os betos, que se dividem em três categorias:
O clássico: Pérolas, sarja creme, e camisa azul ou branca, fotografados junto à lareira ou nas escadas. O vinho repousa sempre sobre uma base de prata.
O formal: De fato e gravata, enfrentam o frio das casas de pedra de Ponte de Lima. Aqui, a discrição é maior, com poucas stories e divisões por género.
O ‘beto-casino’: Raros, mas marcantes, vestem smoking porque o protocolo assim exige.
Cá por casa, abriremos outra garrafa e aguardamos ansiosamente por quem será a personagem fantástica a estragar o Natal este ano.
“A avó, com a sua bata icónica, divide a mesa com a neta, de vestido curto e brilhante, stilettos, e um telemóvel sempre à mão – pronto para capturar o momento com hashtags como #gratidão.”