O que era do Natal, sem vinho?

Todos nós temos as nossas tradições de acordo com as nossas origens, seja do Norte, do Sul ou das Ilhas, essas tradições foram transmitidas pelos nossos avós aos nossos pais e depois a nos próprios, fomos habituados aquela maneira de ser e de viver a quadra Natalícia.

Se pensarmos bem, naquele tempo as coisas eram mais simples, tudo se resumia a um vinho tinto e um Porto para os doces, era assim e convenhamos “batia sempre certo”.

As coisas evoluem e a informação e conhecimento de gastronomia que temos hoje é obviamente mais sofisticada, e até mesmo os vinhos de agora são substancialmente melhores do que aqueles que se produziam a uns tempos atras devido ao fantástico avanço tecnológico e de conhecimento que os nossos produtores adquiriram.

Com as seguintes sugestões não quero de todo quebrar as tradições e no final do dia são sempre de uma perspetiva baseada em algum conhecimento e gosto pessoal que é sempre discutível.

Tendo por base somente os vinhos Portugueses que fazem sentido com as iguarias tradicionais do nosso pais e correndo o risco de algumas escolhas serem controversas, eu sugiro:

Na véspera de Natal para a consoada enquanto são ultimados os pratos na cozinha com os aromas dos fritos, das couves e o bacalhau, porque não desfrutar junto a lareira um Madeira Barbeito 10 anos Verdelho, um meio seco com uma acidez vibrante, mas ao mesmo tempo equilibrado, funciona bem com uns rissóis de camarão enquanto espera pelo jantar, e já agora peça á Avo para puxar pelo picante nos rissóis porque este vinho aguentasse bem. Já na mesa, para os mais privilegiados, um belo consume de lagosta para preparar o estomago, não mudem de vinho, não sendo eu muito apologista de usar vinhos para sopas ou consumes, não resisto em dizer que este vinho combina na perfeição.

Eis que chega o momento do nosso bacalhau, uma posta generosa, as couves, a batata, o ovo e o grão regados com um azeite á séria daqueles que da pra ensopar o pão, sabores que só nos Portugueses conseguimos perceber, vinho tinto? Desculpem, mas não! Este é um mito, neste prato o vinho tinto não funciona, a untuosidade do azeite, a textura do bacalhau, as leguminosas e a batata, e sobretudo o ovo, tudo isto pede um branco com estrutura, madeira sem uma acidez cortante, um Alentejano é perfeito, sugiro um Esporão Private Selection, procurem uma colheita um pouco mais antiga ate uns cinco anos de garrafa, maravilha o que a casta Sémillon pode trazer nesta harmonização especialmente se decantarem este belo vinho branco e servirem num copo mais aberto a uma temperatura não muito fria. O polvo, bem aqui já estamos noutro registo para quem optar por este prato, muito azeite, as batatas assadas no forno com uns grelos salteados, o alho e o pimentão doce, vamos trocar as voltas a tudo isto e usar um tinto, sim um tinto leve, aberto de cor com uma boa acidez e atenção á temperatura de serviço, enquanto no branco fizemos um pouco mais elevada, neste caso vamos refrescar um pouco este tinto, um toque ligeiro não exagerado para sobressair a acidez do vinho, uma sugestão fora do normal, Herdade do Rocim Fresh from Amphora, um vinho da Vidigueira com um perfil terroso, fresco, tanino ligeiro, um grande exemplo dos vinhos da talha.

O Rei esta na mesa! O bolo incontornável numa mesa de Natal com a sua coroa de frutos secos e cristalizados, Porto Graham´s 10 anos tawny, não vale a pena inventar, no entanto se preferir uns doces de ovos como um leite creme, neste caso prefiro o perfil do Porto Vallado 20 anos tawny, não sendo tao vinoso, tem uma frescura e elegância perfeita pra doces de ovos. Não estando preso ao conceito de vinho do Porto ser um vinho das épocas festivas, a verdade é que um vinho do Porto tem uma versatilidade de acompanhar vários tipos de sobremesas e inclusive queijo caso a noite se prolongue.

Depois de uma noite bem dormida, ou nem por isso, o dia de Natal começa sempre tarde.

Convém hidratar, sim a clássica agua das Pedras ajuda mas receber os convidados com um flute de espumante, faz-nos acordar pra vida novamente, Vértice Gouveio Bruto, tenho gostos sofisticados mas é um espumante de referencia, se puder abrir umas ostras ainda melhor.

No dia 25 a roupa velha é obrigatória na mesa de muitas famílias, não é um prato fácil para vinhos, temos os alhos e principalmente a pimenta moída, precisamos de um vinho complexo, com madeira, jovem e crocante, mais uma vez um vinho branco parece me uma boa opção a juventude e irreverencia de um belo encruzado, experimentem um Dona Paulette da Quinta de Lemos, um Dão de referência.

Calma, também uso vinhos tintos no Natal, borrego? Adoro um Touriga Nacional, se for bom como o Quinta do Crasto Touriga Nacional, então estamos garantidos, marinar um borrego com limão ou laranja, ervas finas, alecrim, incrível como pudemos ir buscar os aromas do alecrim e do cítrico num vinho tinto destes, claro que também há quem prefere um cabrito assado no forno, batatinhas novas e umas chalotas, neste caso três características que são fundamentais num vinho para acompanhar este prato, frescura, elegância e precisão, não me lembro de ninguém melhor para traduzir isto tudo num vinho do que Dirk Niepoort, Redoma tinto, uma referencia na mudança de paradigma dos vinhos do Douro. No meu caso pessoal, adoro um leitão assado no dia de Natal ao almoço, e por vezes apos uma noite de consoada com exageros vínicos um leitão assado e um belo espumante da Bairrada é só que apetece, uma fantástica sugestão o Espumante Colinas Rosé Bruto da Bairrada, não é só a frescura da acidez que ajuda a cortar a gordura, é a cremosidade e a mousse aliada a uma complexidade desconcertante de um grande espumante que deixaria envergonhados muitos champanhes que conheço, voltemos a um clássico dos tempos modernos, o peru recheado, ora o segredo está no recheio, o que vai condicionar a escolha do vinho, mas para evitar discussões vou sugerir um branco e um tinto, se o recheio for mais suave de sabores com frutos secos, castanhas e que conferem um sabor adocicado e cremoso com manteiga, optem por um branco de exceção como o Quinta dos Carvalhais Branco Especial, um vinho excecional, rico e complexo com um final surpreendente a lembrar mel, e se for um tinto, pensem num recheio de peru com apontamentos de carne fumada, bacon que lhe da mais intensidade no sabor, ora neste caso talvez uma escolha surpreendente para muitos, um Pinot Noir Dom Bella da região do Dão, mais um daqueles vinhos absolutamente surpreendentes de uma casta sem tradição em Portugal mas que é rainha pelo Mundo fora, um vinho destes só e possível pela visão e empenho de um produtor de exceção, sendo um vinho muito elegante de forma a não se sobrepor á textura de uma carne branca como o peru, não deixa de ser um vinho complexo que seguramente melhora se tiverem o cuidado de o decantar antecipadamente.

Em relação as sobremesas deste dia e para alem das tradicionais já referidas anteriormente, talvez seja o momento de um Porto Vintage Taylor´s 2017 ,jovem com taninos firmes para uns devaneios de chocolate negro ou mesmo um queijo de pasta mole tipo Serra da Estrela, e porque não só de vinho se faz a festa, uma aguardente velha Portuguesa, não faço por menos, Magistra XO produzida na Lourinhã com a chancela de qualidade do Esporão, acompanhem com os frutos secos e mais do que isso, acompanhem com a família porque essa sim é a melhor harmonização que podíamos ter neste dia.

Bom Natal!